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👶 Barulho de Crianças em Condomínios: Entre a Lei do Silêncio e o Bom Senso Jurídico.


Por : Saul Quadros Neto- Advogado


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A vida em condomínio é caracterizada por um conjunto de normas que visam garantir a ordem, o respeito mútuo e a boa convivência entre os moradores. Nesse contexto, é comum que surjam conflitos relacionados à interpretação e ao cumprimento dessas regras, especialmente quando interesses individuais entram em choque com o coletivo.


No meio jurídico condominial, há uma conhecida máxima que aponta os chamados “3 C’s” como os principais geradores de atritos: Cachorros, Carros e Crianças. Esses elementos, embora façam parte da rotina de grande parte dos condôminos, frequentemente estão no centro de reclamações e divergências.


Me atrevo a dizer que a esses três elementos, pode-se acrescentar também um quarto "C" que, em determinadas regiões e épocas do ano, também se torna fonte de tensão: o Carnaval. Em cidades onde essa manifestação cultural é intensa e tradicional, como Salvador, o período carnavalesco costuma trazer consigo não apenas alegria e celebração, mas também desafios para a convivência condominial. Festas particulares, som alto, aglomerações e uso das áreas comuns para eventos particulares podem gerar desconforto e exigir atenção especial da administração condominial, mas deixemos esse fator para um próximo artigo.


Embora cada um desses “C’s” represente aspectos legítimos da vida em sociedade, é fundamental que sejam tratados com equilíbrio, bom senso e respeito às normas internas. A mediação, o diálogo e a atuação preventiva do síndico e da assembleia são ferramentas essenciais para evitar que pequenos incômodos se transformem em grandes conflitos.  

Entre os temas que mais geram polêmica está o barulho de crianças — sons naturais da infância que, para alguns, são sinônimo de alegria, mas para outros, motivo de reclamação. Diante disso, surge a pergunta: até que ponto esses ruídos podem ser considerados infrações? A Lei do Silêncio se aplica? E o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente?


 

Inocência , simpatia e alegria geram ruídos que nem sempre são tolerados e podem até gerar conflitos em condomínios.
Inocência , simpatia e alegria geram ruídos que nem sempre são tolerados e podem até gerar conflitos em condomínios.

 A Lei do Silêncio: O que ela realmente diz?



Popularmente conhecida como “Lei do Silêncio”, essa expressão se refere a normas municipais e disposições condominiais que regulam o nível de ruído permitido em determinados horários. Em geral, essas leis estabelecem limites de decibéis e horários de silêncio — normalmente entre 22h e 7h — com o objetivo de garantir o sossego público.

 

No entanto, é importante destacar que a legislação não criminaliza sons naturais e involuntários, como o choro de um bebê ou o riso de uma criança. A aplicação de penalidades exige prova concreta e robusta de perturbação excessiva, como laudos periciais, registros sonoros e testemunhos consistentes.

 

A jurisprudência tem sido firme nesse ponto. Diversos tribunais brasileiros reconhecem que ruídos infantis são inerentes à vida em condomínio e não ensejam sanções automáticas. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, já decidiu que “o som de crianças brincando não configura infração condominial, salvo quando houver excesso comprovado e reiterado”.



⚖️ O Estatuto da Criança e do Adolescente: Direito ao desenvolvimento



O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº 8.069/1990, é claro ao afirmar que a criança tem direito ao desenvolvimento físico, emocional, social e intelectual em ambiente saudável e livre de repressões indevidas.

 

O artigo 16 do ECA garante à criança o direito à liberdade, ao brincar, à convivência familiar e comunitária. Isso significa que restringir de forma desproporcional o comportamento infantil pode configurar violação de direitos fundamentais. Crianças precisam se expressar, explorar, interagir — e isso, inevitavelmente, gera sons.

 

Portanto, qualquer tentativa de silenciar manifestações naturais da infância em nome de uma suposta “ordem condominial” deve ser vista com cautela. O papel do condomínio não é reprimir, mas acomodar e equilibrar os interesses coletivos com os direitos individuais, especialmente os da infância.


🧠 Jurisprudência: O que os tribunais têm decidido?

 

A jurisprudência brasileira tem evoluído no sentido de proteger o direito à infância e evitar punições desproporcionais. Veja alguns entendimentos relevantes:

 

TJSP – Apelação Cível: “Ruídos provenientes de brincadeiras infantis não configuram infração condominial, salvo quando houver excesso comprovado.”

 

TJMG – Recurso de Apelação: “A convivência em condomínio pressupõe tolerância com sons naturais, como os produzidos por crianças em atividades lúdicas.”

 

STJ – Recurso Especial: “A aplicação de multa condominial exige prova inequívoca da infração e da sua reiteração, não bastando alegações genéricas.”

 

Esses precedentes reforçam que a mera reclamação não é suficiente para justificar sanções. É preciso demonstrar que o ruído ultrapassa o razoável, é contínuo, excessivo e prejudica de forma concreta o sossego dos demais moradores.



🧩 Bom Senso e Diálogo: A melhor solução


PERTENCIMENTO -Bom senso e o envolvimento das crianças na busca da solução tem se mostrado medida eficiente e eficaz.

 

Administradores e síndicos têm papel estratégico nesse equilíbrio. Em vez de aplicar sanções precipitadas, é mais eficaz:

 

🗣️ Promover assembleias temáticas para debater convivência e ruídos naturais

 

📚 Orientar pais e responsáveis sobre horários e locais adequados para brincadeiras

 

🏡 Estimular o uso de áreas comuns como brinquedotecas e playgrounds

 

🤝 Mediar conflitos com base legal e escuta ativa, evitando polarizações


 

🛠️ Medidas Práticas para Administradores e Moradores

 

Revisar o regimento interno para garantir que ele respeite os direitos da criança e não contenha cláusulas abusivas.

 

Instalar isolamento acústico em áreas sensíveis, como salões de festas ou corredores próximos a unidades.

 

Criar campanhas de conscientização sobre convivência, tolerância e respeito mútuo.


Criar sub comissões temáticas compostas e presididas por crianças para gerar pertencimento e envolvê-las na busca pela resolução de problemas de ruídos.

 

Estabelecer canais de comunicação eficientes, como ouvidorias ou comissões de mediação.

 

Registrar reclamações com responsabilidade, evitando exageros e generalizações.

 

📌 Conclusão: Criança não é incômodo — é parte da comunidade

 

O barulho de crianças não é crime. É vida. E viver em condomínio é, acima de tudo, aprender a compartilhar espaços com respeito e compreensão. A lei protege o sossego, sim, mas também protege a infância. O caminho mais eficaz não está na punição, mas no diálogo, na empatia e no bom senso.

 

Administradores e moradores devem lembrar que a infância não pode ser silenciada por conveniência. O verdadeiro desafio é construir uma convivência que respeite o direito ao silêncio sem sufocar o direito ao riso ou ao choro.

 
 
 

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